Andréa Góes

As cercas são invisíveis como eu

Trancaram-me num quarto escuro
Escureceram a minha luz
Iluminaram as minhas sombras
Assombraram as minhas armas
Armaram o meu sequestro
Sequestraram as minhas forças
Forçaram-me a me despir
Despiram as minhas agarras
Agarraram as minhas possibilidades
Possibilitaram a minha ruína
Arruinaram os meus poderes
Apoderaram-se das minhas lanças
Lançaram-me à invasão
Invadiram a minha essência
Essencialmente arrombaram a minha segurança
Asseguraram para que eu não fugisse
Fugiram com a minha liberdade
Libertaram os meus demônios
Endemonizaram a minha paz
Pacificamente explodiram a minha intimidade
Intimidaram os meus desejos
Desejaram os meus códigos
Codificaram as minhas partes
Partiram as minhas resistências
Resistiram a me entregar segredos
Secretamente roubaram-me de mim mesma.

Agora, sem arestas ou defesas
Aprendi a ser meu próprio carrasco
A não ter rosto, a sentir asco
Já não são precisas gaiolas ou trancas
(as cercas são invisíveis como eu)
Estou presa nessa dimensão infalível e branca
Estou presa no meu próprio breu.

Andréa Goés