Passamos por tantos furacões nessa vida que, depois de um certo tempo, começamos a pensar que o chão nunca mais vai parar de ceder. Que nunca mais vamos encontrar a segurança da terra firme.
Quando parece não haver mais nada que nos sustente de pé, nos resta apenas a companhia enfadonha das nossas incertezas.
Não vemos atalhos nem rotas interessantes. Não queremos sair do nosso lugar comum, da redoma habitual, de onde assistimos ao desmoronamento dos nossos sonhos.
O conformismo chega e não vem só. Desânimo. Tristeza. Apatia. Uma estranha rebeldia de não querer mais sonhar. Um certo desdém pelas coisas bonitas, que agora não são mais tão atraentes assim porque nossos olhos estão nublados.
O desânimo cega, a comodidade nos leva a imaginar que onde estamos é o nosso lugar. Que só acontece o que tem de acontecer.
Então, começamos a desembrulhar o leque de frases feitas e sem sentido algum. Cessaram aquelas lágrimas alegres diante de uma flor. Aquele deslumbramento depois de observarmos as cores esvoaçantes de uma borboleta foi pro ralo. O riso farto foi fatalmente atingido pela bala perdida da incredulidade. O furacão veio com tudo e enterrou aquela mania de alegria. Aquele olhar de descoberta, que despia e desembrulhava cada cantinho da vida desapareceu.
Agora, andamos pela casa “camisolentos”, com uma quietude no olhar. Uma deselegância nos gestos. Uma mania de colocar rótulo em tudo e antecipar o que o outro vai dizer. Não sabemos mais conversar, abrimos a boca só pra dizer não. Recusamos convites, afrouxamos os abraços e seguimos cambaleantes, boiando numa realidade desbotada, quase trágica.
Cada vez mais quietos, colecionamos uma pilha de ressentimentos e acolhemos o silêncio como guia. Dizemos adeus pro que antes enchia o peito. Deixamos de regar as sementes vistosas da esperança. Arquivamos os sonhos nas gavetas mais fundas pra não correr o risco de encontrá-los em cima da mesa.
É o tempo que não sobra. O amor que não vem. O cansaço que massacra as pálpebras. As contas pra pagar. As prioridades que até hoje não sabemos o motivo de considerá-las assim, já que não fazemos parte delas.
E então, só depois da passagem do furacão é que refletimos sobre essa coisa movente e finita que é a vida. Do tempo que escorre depressa demais.
Percebemos que o furacão passou, mas a desordem ainda vigora. O telhado ainda molha e as infiltrações ameaçam o pouco que restou intacto.
Então, despertamos do sono temporário e iniciamos a limpeza de dentro pra fora, investimos pesado na ornamentação interna, nos laços de fita e aromas sutis. Reconstruímos o cenário, com a certeza de que, não controlamos nada. De vez em quando, tudo desaba e cabe a nós esse recolhimento necessário, que serve para nos empurrar mais fortes para os braços da vida.
Ester Chaves