A nossa conversa não tinha acabado quando houve uma pausa. Parece que o mundo parou ali. Talvez estivesse suspenso nas bordas de uma xícara de café. Talvez a sede tenha feito você se levantar e, adivinhando os seus movimentos, também me levanto, me dirijo até a cozinha, pausadamente, como quem levita. Bebo um pouco de café e miro a borra disforme no fundo do copo. Não vejo ali o meu futuro. Remexo o borrão com a colher. Derramo novamente o líquido preto e espesso na xícara. Sento no chão do quintal e acabo me distraindo com uma nuvem que passa se espreguiçando entre as asas de um avião. Penso no cochilo entre as almofadas, no quanto eu gostaria de despencar num sono incrível depois do almoço. É provável que a minha cabeça tenha rodopiado bastante enquanto eu esperava o próximo toque do celular imaginando que a nossa conversa-novelo iria se desenrolar em risadas, poesia e um bando de coisas floridas, que a gente ainda consegue desembrulhar pelos cantos da vida.
A gente tem esse dom de vasculhar as sutilezas e olhar por dentro das pessoas como se visse um mundo sem janelas. Nós enxergamos os mundos que existem dentro das pessoas. Nós somos interessadas pelo que elas sentem. Pelo que elas têm dentro do peito. Nós tiramos os véus. Mergulhamos profundo enquanto algumas nos lançam um olhar superficial. Nascemos com essa leitura apurada dos gestos, com esse bom gosto pra ler além dos títulos. Os olhares que, às vezes, nos atingem como balas perdidas jamais passarão em branco. Jamais serão tiros no escuro. Palpitam numa explosão de luzes que um dia voltarão em forma de sorriso.
Desde o primeiro dia, você me olhou assim, com profundidade, devagar como quem caça jeito pra se aproximar, como quem toca com cuidado numa ferida que ainda não cicatrizou. Como quem quer saber quem causou a mágoa. Como quem tem o remédio. Como quem anda com a cura dependurada no sorriso. Como quem transporta o amor a tiracolo. Você sorriu de longe pra me abraçar por dentro. Perto, manso, forte e sem hora pra acabar. Você abriu o livro. Você teve coragem de colocar lupa nas entrelinhas. Você se interessou pelo rascunho da obra. Você compreende a anatomia do silêncio e quando fala, procura a entonação correta, as palavras mais fartas, o jeito certo de chegar até o coração do outro sem ferir.
Mas aquela pausa… aquela pausa foi um blecaute na nossa eternidade provisória. Talvez tenha sido um vácuo de cinco minutos. Dez. Eu não sei. Foi o tempo que eu quis segurar sua mão. Foi o tempo que eu perdi a dança e o jeito de levitar. Foi o tempo que desaprendi a ter fé. Foi o tempo de uma oração silenciosa. Foi o tempo de reler a mensagem, sentir dor e negar. Negar pra rebobinar o tempo e escutar de novo o tom do seu sorriso de aquarela. O sorriso que nunca deveria ser manchado pela dor de uma lágrima. Pela corrosão de uma perda. O tempo parou e eu quis segurar sua mão. Mas o tempo parado era outro tempo num outro lugar bem longe daqui, não era mais o nosso. Rodopiava numa dimensão diferente, numa outra batida, que frágil, também foi parando até ser capaz de fazer parar um coração. Nós paramos, desde então. Uma engrenagem muito importante e bela parou de funcionar aqui pra continuar brilhando lá longe, dentro daquela estrela maior, que hoje explode em fragmentos de luz e sorridente passeia no céu.
Ester Chaves