Muitas vezes sou só isso, um corpo atônito, fadado à fraqueza que me escorre pelos dedos e encharca tudo que há por dentro de mim e o que me cerca. Fraqueza. Preguiça. Nenhuma vontade ou motivo para sair de onde me deixaram pela última vez.
Muitas vezes sou menos ainda, a incapacidade constante sobre todos os a fazeres da vida. Sou feito um dia de cansaço que parece ter começado já na minha memória mais distante, e vem se estendendo por tudo que tenho feito, abarcando sem piedade também tudo o que há por vir. Parece que serei pelo resto dos dias só cansaço. Sem causa para lutar. Exaustão. Inércia. Sem o quê me faça sair de casa. Nadando em um ócio profundo, sem norte ou razão, sem bote salva-vidas, sem ajuda.
Muitas vezes não posso fazer parte de nada maior, por uma pura inata incompetência invencível. Sem vontade alguma de guerrear e suar pelo mérito que me oferecem, eu fico onde estou.
Muitas e muitas vezes, sou só eu, assolado sob os desejos impostos pelo mundo, estando sempre a correr atrás de um prejuízo que não estou disposto a pagar, e que nem sei de qual dívida advém.
O que oferecem não basta, não atrai. Os louros não me acendem. Não há sentido algum na função social que me atribuíram. Desprezo por completo os papéis, os anéis, a bajulação de intelectos inchados por pompas que, sob meus olhos, são ralas e inúteis. Os ouros e troféus que apontam no fim da corrida dão-me sono, e por eles sequer quero calçar os tênis.
Muitas vezes não há razão para existir e me mantenho somente a espera do momento seguinte, da hora seguinte, da pessoa seguinte, do riso amarelado e desinteressado seguinte.
E muitas vezes – incontáveis – quando tudo parece errado e sem azo, ainda procuro em desespero por uma lição, como se o universo pudesse transformar todos os martírios em etéreos e surpreender-me com um final aprendizado. Mas, muitas vezes, as coisas não podem passar do que verdadeiramente são: fracasso.
E é aí, nessas tantas vezes, que agarro-me à única autossalvação, ao refúgio possível, à saída de emergência da lúgubre e cinzenta atmosfera real. É nessas tantas vezes, quando não se tem mais nada a perder, que a razão de viver se revela ser, pura e simplesmente, o amor.
Eden Picão