Tudo começou com os temporais, eles chegavam de repente, e duravam o tempo exato de fazer aquela destruição que é passível de ser ignorada, é possível negá-la no dia seguinte com qualquer justificativa plausível, afinal ela não vinha sempre, e eventualmente partia.
Depois caíram os muros, quando as raízes das árvores não aguentaram os abalos da vida e elas despencaram, levaram tudo junto, todos os limites e barreiras, todas as cercas e só deixaram as serras elétricas, dando conta do que restou dos tocos, dos ocos que sobraram ao redor.
Depois eles vieram.
Eles surgiram das sombras
Dos nossos escombros mais escondidos
Eles chegaram armados com toda a violência, agressividade e dor que tentávamos esconder enquanto roubávamos um sorriso que não nos pertencia, pelo menos não o tempo todo.
Eles encontraram seu espaço de entrada nas nossas brechas, nas nossas bregas e medíocres contradições, nas nossas arrogâncias e nos defeitos bobos, nos nossos buracos e vazios, nos silêncios de fim de tarde ou nos gritos do fim do dia.
Eles tinham o objetivo claro de resgatar o que lhes era de direito-existir, serem vistos e assumidos.
Eles vieram levar algo que não era nosso, e não era o dinheiro.
O que tínhamos de valor era a aparência e isso eles arrancaram à queima roupa, toda a pilha de roupa passada e polida caída ao chão, lembrando de tudo que não podíamos mais vestir.
Porque todos sucumbiram, nem a máscara mais forte aguentou o tranco, nem a tranca mais forte aguentou o ranço.
O ouro da falsa estabilidade, acumulado por anos foi levado, essa segurança barata foi confundida com joia e não sobrou nem a falsa ideia de felicidade ou família perfeita.
Depois disso tudo, ficou escancarado,
Depois de dito tudo, ficou estampado
todas as falhas e breus pelos quais eles entraram, toda a feiura e mágoa.
A casa também não resistiu, aquela pseudo estrutura ficou apertada porque não havia, nunca houve, espaço para a inteireza, para todas as partes serem exatamente como são, para serem como sol. Ainda mais depois do ocorrido.
Ainda hoje algo sempre se esconde, ou debaixo de fantasias ou de fantasmas ou acima delas, com a critica sempre sutil que mostra que algo ali esta além do suportável, que alguém ali não da suporte. A diferença é que agora todos já sabem o que se esconde atrás do que não pode ser nomeado, todos sabem onde podem chegar e escolhem parar antes disso.
Todos sabem que ao menor sinal de tempestade… o que vem a seguir, está muito além das sombras.
Andréa Góes