Há de ser um pouco louco para dizer o que tantos precisam, mas nãosabem/nãopodem/nãoquerem.
Há de ser um pouco louco para sentir exageradamente ao ponto de escapar-lhe pelos dedos os anseios velados no coração de todos.
Há de ser um pouco louco e muito tolo, para se desprender das amarras latentes do “que pensam os outros?”.
Há de ser um pouco louco para entrar-se e, interpenetrando sem cerimônia a alma, deixar gritar o que não se deveria confessar sequer ao pé de ouvido.
Louco. Para ouvir o silêncio eloquente que fazem os olhos quando sentem e sufocam por não falar. Para criar-se angústia e desfazer-se em ternura. Para criar-se ternura e desfazer-se em nada.
Há de ser louco. Há de ser alma. Há de ser coração.
Há de ser um pouco louco para ser verdadeiramente você mesmo, nem que por poucos instantes.
Há de ser um pouco louco para tentar dizer-se, enquanto disfarça não estar ali, em palavras desajustadas e frases trocadas intencionalmente, tentando não se pôr vergonhosamente tão nu.
Há de ser um pouco louco varrido. Com o coração partido. Com a vida quebrada. Com os olhos ardidos. Com o amor manco e bêbado, de calças arriadas, na fila do banco às seis da manhã.
Há de ser um pouco louco para se deitar sobre garrafas, procurando a frase certa para dizer a coisa errada. Ou o contrário. Ou outra coisa.
Porque do louco não vão tirar tão facilmente a loucura, sem antes o decifrarem, sem antes o desmontarem. Seu prazer está em ver os sãos, em vão, tentarem.
Louco. Pouco espalhado em muitos. O mesmo louco sempre. O mesmo ganhando e perdendo. O mesmo comprando o jornal e declamando esta patota de letras miúdas. O mesmo pagão e batizado na água benta da paróquia de São Francisco. O mesmo louco em todas as sóbrias vezes que a mórbida vida acadêmica pediu.
Há de ser um louco para dar sentido a coisa alguma entre tantas outras possíveis, se encontrando na vida que não vive, nos olhos que já não tem e na fatia de pão que caiu com a manteiga pra cima dessa vez.
Há de ser eu ou você, que aqui se encontrou.
Há de saber ser ninguém e gostar.
Há de ser um pouco louco. Ou muito.
Há de ser um poeta.
Eden Picão