Ester Chaves

Sou de dar o coração antes do corpo, a alma inteira antes do sorriso

Sou feito do bordado invisível alinhavado pelo tempo, sacudido pelas perdas, ressignificado pelas alegrias. Sou desses poucos, que os tombos não limitam a capacidade de sonhar. A cada queda, levanto mais forte e decidido, com mais projetos do que tinha antes de cair. Sou da rara natureza dos que amam de graça, e nada pedem por abrir o coração. Acolho também sonhos que não são meus, e insisto em acompanhá-los até que se concretizem. Sou de dar o coração antes do corpo, a alma inteira antes do sorriso. De bandeja, ofereço os bons sentimentos, porque são eles que me regem e fazem maior, que me tiram do limbo egoísta de pensar somente no que posso ganhar. Adquiro consistência quando pareço que sou a mais fraca das criaturas, e aí, descubro com lágrimas nos olhos, onde moram a minha força e a capacidade de superação. Sou de renascer depois de cada crise, de confortar no aconchego dos meus braços àqueles que se aproximam com danos na alma. Assim, reúno irmãos, que se fazem mais fortes quando se imaginam em queda livre, é aí que descobrem o dom das asas – em pleno exercício do voo. Sou feito desse emaranhado de tons inéditos que não estão disponíveis na rica tabela Pantone, e na escuridão das minhas dúvidas, descubro um brilho fosforescente num olho, e no outro, a lágrima esperançosa, que me empurra para o próximo desafio. Cedo, recomponho a postura de quem vai firme na direção dos sonhos, e mesmo com receio, não esmoreço, não cedo à tentação de me esforçar menos do que posso. Sou feito dessa vontade louca de progredir, mesmo quando os caminhos estão abarrotados de placas proibitivas. Sou desses, corajosos, que desobedecem quando tudo diz não. Refaço os cálculos e contorno os abismos com a desenvoltura de um trapezista, e sigo, porque sou feito de caminhos nunca trilhados, inúmeras possibilidades, e mesmo que, não haja estrada, busco na reinvenção o dom de cavar saídas. Sou feito desse fiapo de esperança, que se fortalece quando os abalos teimam em sacudir o interior. Sou feito de pontas soltas, retalhos e nenhuma costura visível. O tempo me alinhava por dentro e guarda no meu peito, histórias, amores, risadas, um punhado de sonhos coloridos e um desejo renovável de aprender a amar. Sou feito do tecido leve que reveste as pessoas de verdade, que amam sem impor condições e se doam sem entender a doação como sacrifício. Promovo incursões pelos labirintos internos e reconheço as vulnerabilidades como partes do que sou, humano. Sou dessas almas fluidas, que guardam pássaros nas pálpebras e rios nos bolsos da camisa. Deposito esperança imortal nas coisas que dão sentido e fazem sentir.

Ester Chaves