Há pessoas que são tão confortáveis, verdadeiros abrigos que acolchoam nossas dores em dias invernosos. Possuem a destreza de nos apontar caminhos que nos permitem transitar em nossos cacos sem graves ferimentos. Outro dia, conversava com um amigo sobre as vezes que me senti “em par com Deus”, com aquela certeza de haver algo maior sobre a minha cabeça, que não somente as preocupações rotineiras.
Conversávamos sobre a serenidade, aliás, a ausência dela no cotidiano, e a dificuldade de nos mantermos tranquilos sem o incômodo das tecnologias, sem algo que quebre a paz dos instantes. Enquanto tirava uma canção no violão, ele disse: “Se pegarmos a contramão da realidade, a gente destoa do resto do mundo e acaba se isolando. Mas não dá pra embarcar nessa loucura de “ter de” seguir o que colocam como “modelo” de vida. Não dá pra esquecer que nossa alma é feita dessa pluma inesgotável, onde o tecido é o sonho. Essa coisa que dá comichão, sabe? A arte, isso que vejo agora aí bem no meio do seu olhar, brilhando, brilhando”.
Dei um sorriso, enquanto ele puxava minha mão para a saída. Íamos ver a cidade de perto, com as suas luzes e pessoas em busca do sentido da vida. Sentamos no parapeito da janela de um prédio comercial e ficamos olhando a vida acontecer lá embaixo; o trânsito carregado, os pontinhos das luzes faiscando, a pressa guiando as pessoas, aquele frenesi depois do expediente. Não importa em qual divindade essas pessoas acreditam, sim, elas acreditam em algo sublime. Deixam as suas casas todos os dias para buscar alguma coisa que não seja somente o básico. Além dessa normalidade, todas têm um sonho, aquele desejo de fazer algo diferenciado, seja na arte ou alguma peripécia da infância, alguma coisa que ficou guardada para o futuro.
Quando alguém nos conhece bem, vai exatamente no ponto onde precisamos de um choque ou de uma carícia. “Sereno é quem tem a paz de estar em par com Deus”. “Serenidade é isso, minha amiga. A coroação invisível de um instante que só acontece pra você. O momento que você se ilumina e decide fazer por você exatamente o que deixa seu olho assim, brilhando”. Serenidade… sempre gostei da sonoridade dessa palavra porque dentro dela não existe lugar para espíritos agitados. Para encontrar a parceria com o divino, o coração deve estar leve, bailando em maré mansa. “Estar em par com Deus”, revela uma comunhão absurda com as coisas mais simples. A forma como nos colocamos no mundo e recebemos o impacto do que não podemos controlar, é justamente o que define a durabilidade dessa parceria.
Ester Chaves