Reclamamos da vida desorganizada, do desencantamento dos afetos, das pessoas que não ficam, das que ficam, mas não estão presentes. Mas, e a nossa postura? Qual é a nossa parcela de responsabilidade nessa desordem toda?
A vida afasta, nós atraímos. O problema está no entulho, pronto para ser descartado e numa atitude desesperada, o repatriamos como se fosse uma grande lástima perder o que já não temos.
Colocamos panos quentes, remediamos a situação, abrandamos as consequências e recuperamos o desconforto só para ter algo para reclamar depois.
Se aquela pessoa que firmou pacto de amor, disse que não partiria e na primeira discordância, não hesitou em dar adeus, ela faz parte do passado. Se aquele “amigo” que você acolheu, cuidou e chamou de irmão, pisou na bola e foi ingrato, ele também é figura do passado. Não cabe no agora. Não cabe no futuro. Não cabe mais na sua vida.
Somos coniventes quando deveríamos usar a franqueza e fechar todas as portas. A ideia de que as pessoas mudam, nos faz pensar que perderemos um feito inédito, um avanço na vida delas, quando na verdade, estamos retrocedendo e nos iludindo, porque o afastamento voluntário legitima a recusa delas em compartilhar conosco a nova etapa de vida.
A convivência não altera nada quando as coisas já estão decididas e as conexões se romperam. Quando os sentimentos já estão abrigados em outras moradas.
A gente tem mania de se afeiçoar ao passado porque ele é imutável. A lembrança das coisas boas costuma apagar as experiências trágicas. O passado é uma roupa confortável porque é sempre igual a si mesmo, no tempo e no espaço. Não desbota, não é possível alterar, mexer nas memórias e editá-las.
O segredo é libertar-se das expectativas e aceitar que algumas escolhas não nos incluem e está tudo bem. Deixar ir sem cogitar que se fosse oferecida mais uma chance, a pessoa mudaria. Deixar ir sem pensar que se a escolha fosse outra, o presente seria diferente. Os frutos seriam melhores. A vida, mais feliz. A cilada do “se” é o argumento mais vazio e ilusório que existe. Só serve para atormentar o presente. Deixar ir é sofrer um pouco, mas é o modo mais honesto de libertação. Não temos controle sobre o que acontece dentro dos outros. Não somos senhores dos sentimentos alheios. Insistir no que deve ser ofertado livremente, só nos distancia de nós mesmos.
Ester Chaves
Frase-título: Belchior