Edgard Abbehusen

O dia em que ela percebeu-se incrível dentro de suas delicadas imperfeições

Levantou, pegou o celular e olhou algumas das inúmeras mensagens no WhatsApp.
Deixou de lado.
Não estava afim de complacência cordial.

Cansou das mensagens lindas e fofas das tias no grupo da família. Nem estava com saco para ler as delongas orações que muitos passam para frente acreditando que, se não o fizerem, estarão matando um órfão desabrigado na Cochinchina.

Não queria ler nem ouvir o que as amigas diziam – não hoje. Muitas delas iguais a ela, sem saber o que fazer diante de suas tragédias amorosas pessoais.

Resolveu apelar para si mesmo. Ela só queria a sua fé. Aquela que lhe bastava.

A fé que a fazia ficar de pé depois de tantas noites jogada numa cama vazia, sob um travesseiro encharcado de lágrimas ressentidas de um dia inteiro de sorrisos sem vontade.

Ela estava disposta a encarar o espelho de frente e assim ela fez. E foi aí que ela percebeu o quanto estava impaciente para tantos elogios, curtidas ou comentários que vinham de notificações que ela nem sabia de onde. Ela tinha acabado de descobrir que era linda de um jeito tão forte, que não precisaria mais ouvir isso de ninguém, pois ninguém seria capaz de enxergar a beleza da sua alma da forma que ela a via.

Sem pensar muito, correu para o banheiro e tomou um banho que ela jamais havia tomado. Nem quando estava acompanhada daquele amor que lhe fez tão mal.

Sentiu a água quente passando por todo o seu corpo e tocou a sua pele, percebendo o quanto era macia e sedosa. E já não sabia mais se era água quente ou corpo quente.

Nua, de volta ao espelho, enxergou alguém que ela jamais tinha visto. Percebeu-se rara, única e perfeitamente cabível dentro de suas imperfeições mais delicadas. Sentiu, naquele momento, que raros seriam os que teriam o privilégio de tocá-la por dentro.

Sentiu-se valiosa e interessante.

Vestida, em uma roupa ousada e provocante, recebeu a mensagem que, durante um tempo, tanto esperou. Era ele, disposto a colocar confusão naquela paz que ela começava a sentir – pouco – mais suficiente para ela entender o que merecia. Desligou o celular e o deixou sobre aquele travesseiro.

Partiu para o mundo. Agora, ela só quer sair pra balada e depois voltar pra casa com os pés descalços e doloridos de tanto dançar. Aliás, essa era a única dor que ela iria se permitir sentir a partir de hoje.

Edgard Abbehusen